11.26.2010

Prosa germânica marginal... ou mais uma do poeta mobral

Ando sem saber o que escrever. Por outro lado, recebi isso aqui. Achei bom, publico com a devida autorização.

A colega

(Adriano C.)

Já havia reparado como era linda. Ela tinha uma figura longilínea e elegante. Hoje, salto alto vermelho, calças pretas vigorosamente preenchidas pelas bem torneadas pernas e uma camiseta larga, desleixadamente fashion, que deixava (propositalmente? e por instantes) o desenho do ombro à mostra. Pele clara, porém bronzeada. Paulistana bem nascida, lógico. Sol de Ubatuba aos fins de semana? Provavelmente. Olhos rasgados e tristes, cabelos longos. Muito longos. Pontas repicadas. Penteado despenteado. Gata. Gata daquele tipo que o pobre coitado move montanhas por um mero sorriso. Que, se ela der, será de canto de boca. Otário. Mas tudo bem, já seria o suficiente para admirar a brancura perfeita de seus dentes. Assustadoramente distante. Acima. Não rola, pensei. Com que cara lhe dirigir a palavra? Lhe dar um “oi, tudo bem?” Não. Impossível. O que lhe sobra de beleza também lhe deve vazar pelos poros um egocentrismo avassalador. Ela deve pisar sem dó no verme admirador. Não dá a mínima para os rastejantes seres que por ela matariam a própria mãe por um sim. Tá, exagerei, mas é por aí. Como diz meu amigo João, essa não tem nome. Vaca.

Mito criado em 1 semestre do curso de Estética II na Filosofia da USP. Introdução ao pensamento de Herder. Introdução à ideia de beleza. Mito confirmado nos 15 segundos em que ela foi de sua cadeira à mesa central, para apresentar o último seminário do texto “Shakespeare”. Três no grupo, ela, claro, senta-se ao meio, imponente. Mais alta até. Sinto o perfume no ar.

Começa a apresentação. Desmistificadora.

Ela está nervosa. Insegura. Gaguejou? Sim! Nossa, estranho... Os olhares da classe a tiraram do salto. Que salto? Ela está de sandálias. Mãos trêmulas, unhas roídas. Os longos cabelos atrapalham, caem sobre o texto, mal escrito. Ela lê rápido, confusa. Herder sumiu em seu embaraço. Todos agora se incomodam com sua figura cambaleante. Ri nervosa. Quer fugir, odeia ser o centro das atenções. Burro. Igualzinho a você.

Fim da apresentação. Ela evita as questões. Os parceiros de grupo garantem. Ela precisa sair dali. E sai...

Não!

Antes vai responder à minha pergunta. Respiração ofegante. Suor frio. Coração acelerado. Juro que posso vê-lo batendo sob a camiseta. Foda-se. Tomo coragem.

Espera!

Oi, tudo bem?

Tudo.

Sorriso. Alívio.

E dentes amarelados.

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11.17.2010

Melhores momentos de uma curiosa conversa

- Você vai no Planeta Terra?
- Eu estou nele. Acho.

- Aquele tipo de lésbica...
- Sapatão mesmo, fancha, caminhoneira?
- É, que usa calça cargo cheia de bolsos e colete.
- Cabelo curto, corpo troncudo e buço?
- Porra, isso tá ficando bizarro.
- Tá com medinho?
- Porra logico. Uma dessas vc so mata com bala de prata, sei la.


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11.14.2010

Domingo

Abro um livro sem muita concentração e sinto fome. Está frio na rua em pleno verão carioca e os acordes do carro de som provocam repulsa. Recebo um correio eletrônico de um antigo amor e ouço acordes e frases em italiano com batida moderna. Esse dia é sempre tédio e fogo. Penso em quem está longe. Penso em quem está perto. Fecho o livro, visto uma roupa. Vou primeiro almoçar para depois me jogar no domingo.


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11.10.2010

Ao cantarolar

Músicas são uma forma cliché de mencionar estados de espírito, mas que forma melhor de dizer que "they'll take your soul if you let them, so don't you let them"?

Nada do que se possa sentir é novidade, é tudo uma grande repetição.

Então eu faço o que eu posso.


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11.03.2010

Das primeiras vezes

Parei no meio da rua e olhei para o céu de Copacabana.

Vi o alto dos prédios de uma maneira que não vejo nunca. Vi que alguns moradores reformam suas coberturas, lindas peças em edifícios feios. Vi algumas toalhas secando ao vento e pensei que ali no alto mal se vêem as feiúras. Senti o vento passar por aquele corredor de concreto que as fachadas encerram e que nunca percebo quando estou em meu curso normal. Vi os urubus dando volta em círculos e lembrei que, ainda que sejam urubus, existe vida além da nossa.

Num determinado momento pensei na ironia que seria se, de tanto olhar pra cima, tropeçasse ou perdesse um olhar que valesse a pena. Hesitei, mas naquele breve momento nada me privaria do prazer de sentir meus pés traçarem as mesmas retas de sempre, mas os olhos descobrirem uma geografia inteiramente nova.


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11.01.2010

Sobre a angústia

Angústia é prestar atenção à voz da consciência e perceber que ela está em silêncio.


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