10.31.2010

Sonzinho bom

Vou
ficar mais um pouquinho
para ver se alguma coisa acontece
nessa tarde de domingo.


(TR)

.

10.25.2010

Nua em público

Entro no vagão do metrô, sento e abro meu livro. O passageiro ao meu lado pousa furtivamente o olhar em minhas páginas. Me sinto nua.


.

10.23.2010

Sol, sal e caipicacau.

Ao som de manga é doce, biribiri, limão não.


.

10.19.2010

Sobre mulheres e minúcias

Não dá outra: muita mulher junta e sempre rola a frasezinha demarcadora de territórios. "ele tá / tava me dando mole". Pronto, assim a mulher marcou pra sempre o cara, fez uma tatuagem com seu nominho na virilha dele e agora mais amiga nenhuma pode se aproximar.

Mulher é bicho esperto, sórdido e pequeno.

Vamo crescê, vamo?!

.

10.13.2010

Sobre o medo

- E por que é que a gente tem que ter medo de vez em quando?
- Pra gente aprender que o medo é nosso melhor conselheiro.

Tom Zé.


.

10.10.2010

De sonhos e de sono

Pois bem, doutor...

Penso que morcegos não sejam animais propriamente fofos, mas compreenda que tudo o que é desenhado pode ser exagerado num sentido positivo. Assim meninas se dividem em porquinho-lovers, raposinha-lovers, sapinho-lovers, que foi o meu caso, e por aí vai. Acho mesmo difícil qualquer mulher que regule com a minha idade não ter tido um estilo de bicho ou personagem predileto, como o diabo da Hello Kitty e afins. Isso tudo é pra dizer que eu não sou uma morceguinho-lover, mas tenho muita saudade de uns morceguinhos que voavam num céu cinza de um pijama que teve que ser deixado para trás em certa etapa da minha vida (terei eu saudade dos morcegos ou da etapa?).

Isso tudo, mais uma vez, para falar de sonhos. Uma noite fui à Califórnia e visitei o Salk Institute. Eu queria ir ver aquele plano cortado por uma fonte, e tentava convencer minha companhia de que seria um momento incrível, um daqueles momentos quase religiosos que temos diante de algumas obras de arte. Não que ela não se dispusesse a ir comigo, mas eu olhava para a frente e para o alto e tudo o que via eram as linhas horizontais e verticais tingidas de concreto, convergindo para um céu azul e libertador.

E veja bem, doutor, eu penso cada vez mais que preciso ir à Califórnia, mas me perturba deveras o fato de eu não conseguir parar de sonhar com o pijama de morcegos (estarei eu realmente me referindo ao pijama de morcegos ou a quem o possui neste momento?).

E quando noto que confundo a ação, pois não estou certa de que sonho com a Califórnia e penso no pijama ou se sonho com o pijama (ou com ele) e penso em visitar a Califórnia, percebo que talvez o senhor esteja certo e sonhos e realidade desperta se confundam e tudo isso forme aquilo de que sou composta.

Porque nós somos a massa e os espaços entre a massa, certo?





.

10.07.2010

Sobre contos

Porque nem só de palavras se faz uma estória


.

10.02.2010

No meio do caminho e eu de saco cheio (Mashup poetry)

[No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra]

Parei puto da vida
Ali bem no meio do caminho
Abaixei, peguei a pedra
Lisa, cristalina, facetada

Vendi a porra do diamante
Por milhões de dólares
Com a grana paguei um oculista
Que me consertou as retinas fatigadas

.

10.01.2010

A culpa é da maçã

1

A dieta recortada da revista feminina listava cardápios que Camila nunca teria coragem de comer. Proteína de soja tinha gosto de papel, purê de legumes dava trabalho para preparar e verdura só era comida se fosse para bicho, mas as frutas eram práticas e saborosas e, portanto, negociáveis.

Desta vez levaria a meta a sério, pensava, enquanto esticava os meiões tornozelo acima, de forma a cobrir toda a parte desnuda e rigorosamente depilada da perna, parte que escapava à sutil proteção da calça de lycra.

Tênis de corrida, os longos cabelos aloirados presos por um elástico, Ipod preparado e a moça curvilínea do espelho se despedia da outra, esta obstinada em emagrecer.

O tempo na esteira era empenhado ao culto à própria figura. Não se achava feia, muito pelo contrário, mas sabia que precisava perder peso. A concorrência estava grande e ademais, era difícil superar o fato de o último namorado tê-la deixado por conta dos quilos a mais. Claro que não foi isso que ele disse, mas ela sabia que era.

Sentindo-se incrivelmente mais magra, decidiu passar no supermercado para garantir a dieta, dirigindo-se diretamente às gôndolas de frutas. Parou, encarou as maçãs com um olhar de pouca intimidade, puxou um saquinho e começou a escolher as que lhe pareciam mais vermelhas e brilhantes.

Sua mente estava absolutamente vazia, absorta na tarefa de rejeitar os frutos com imperfeições, como este que... este que esse homem lindo acabara de pegar e fizera menção de jogar displicentemente em seu próprio cesto de compras.

Notou que era alto e que o rosto parecia desenhado delicadamente em contraste com a barba rala. Notou o cabelo anelado escuro e parcialmente grisalho. Notou os lindos olhos azuis e... sim, notou um sorriso.

Um sorriso para ela! Imediatamente pôs-se a sonhar com o dia em que diria para os amigos “num corredor de supermercado...”

Seguiu no transe até ser interrompida pela voz amistosa daquele que, elevando a maçã desprezada num ângulo em que só ela podia ver a mancha, se desculpava por tomar a fruta que originalmente lhe pertencia. A mão em concha exibia uma notória rodela dourada no dedo anular, elo perdido entre seu mundo onírico e o corredor do supermercado.


2

O homem chegou em casa ruidoso e muito atrapalhado, carregando sacolas e a mulher só desviou o olhar da TV para ajudá-lo mais de um minuto e meio depois, assim que começou o comercial.

Inventariadas as compras, iniciou-se uma tarefa muda de guardar os alimentos. O açúcar foi despejado pela metade no açucareiro e o restante foi para o pote na estante. As portas do armário foram abertas e algumas latas de conservas foram enfileiradas na prateleira, assim como os pacotes de macarrão e de biscoito recheado.

A mulher separou a parte perecível e colocou os ovos na geladeira, assim como a margarina e a caixa de Tody. As frutas foram retiradas cuidadosamente dos sacos e introduzidas na gaveta inferior, tarefa interrompida para atender ao pedido de uma lata de cerveja e retomada em seguida.

Enquanto abria a lata, ele observava com estima o trabalho desta mulher e o cuidado com que conduzia tudo na casa. Era uma mulher sem mais muitos mistérios, mas ainda bonita, mesmo depois de passados vários anos da maternidade. Uma mãe carinhosa e modesta nos gastos. Através desse pensamento certificava-se de sua escolha. Sim, pois após anos de farras incompatíveis com o estado civil, finalmente acreditava compreender o que era amor.

O terno sentimento de convicção foi violentamente interrompida por um xingamento seguido de um olhar irado e de uma queixa contra sua incapacidade crônica de escolher frutas, como esta maçã que empunhava com tal força que os dedos quase penetravam o halo marrom.


3

Bêbado de sono, cambaleou até a cozinha, abriu a geladeira, pegou a caixinha e a fruta, abriu o zíper da mochila onde guardou tudo e saiu apressado.

Encostou na parede do elevador e cochilou por dez segundos. Atravessou a rua sorumbático e continuou um delicioso sonho no ônibus - “ela é tão linda, e é tão minha...”

Um pouco mais tarde, o barulho estridente do sinal, longe de despertá-lo, lembrou a iminência de sua presença. Ela sempre chegava alegre e desperta e se movimentava muito. Achava-a tão bonita com aqueles cabelos amarelos...

Quando ela começava a falar – ela falava bastante - ele gostava de vedar os ouvidos com os dedos para vê-la mover os lábios. Assim tinha certeza de ouvi-la dizer dele coisas tão lindas quanto as que ele pensava dela. Mas havia aquela detestável hora em que o sinal tocava novamente e ela se despedia.

“Não desta vez”, pensou, cheio de coragem. A mão trêmula buscou o volume na mochila. As pernas traíam seu peso ao se levantar. O menino caminhou na direção da amada, o braço direito esticado, a mão apertando fortemente a maçã, a oferecê-la. Em troca, não viu mais do que um olhar maternal.

As gargalhadas da turma o invadiram. Seu olhar assustado buscava uma explicação para a súbita percepção de que sonhara demais. Os olhos doces da professora miravam aquela circunferência tão vermelha, maculada por uma gritante mossa mole e marrom.

A culpa é da maçã, pensou.


.